domingo, 18 de janeiro de 2009

Nazismo em Santos? - Um filme noir em nossa história.


Matéria publicada em 28 de março de 1942, no jornal A Tribuna. Confira!


DESARTICULADA UMA VASTA REDE DE ESPIONAGEM NAZISTA

O CENTRO DAS ATIVIDADES ANTI-NACIONAIS ESTAVA INSTALADO NO RIO DE JANEIRO, COM RAMIFICAÇÕES IMPORTANTES EM SANTOS E EM SÃO PAULO.

Uma estação clandestina fora montada em nosso porto para transmitir informações detalhadas sobre o movimento de navios, sua e seus passageiros - O indivíduo Nels Cristian Cristensen, chefe da espionagem alemã no Brasil, agiu tamvém em Santos e São Vicente, auxiliado por um grupo de nazistas, entre os quais o filho do consul da Alemanha nesta cidade - A diligência da polícia paulista é considerada como a maior até agora executada na América do Sul

São Paulo, 28 (Agência Nacional)
- Acaba a polícia de São Paulo de lavrar um tento brilhante, que veio, inicialmente, colocar o Estado e o Brasil inteiro ao abrigo de uma situação que já se desenhava entre nós com características de suma gravidade. O perigo era iminente e tudo indicava que nos encontrava à beira de um abismo, para o que muito concorreu a índole pacífica de nosso povo, sempre de braços abertos para o primeiro estrangeiro que aporte ao nosso País, como à benignidade das leis brasileiras, que regulam a permanência do imigrante no Brasil. Povo amigo e acolhedor, o brasileiro não se apercebia do trabalho subterrâneo e criminoso daqueles que deixaram suas terras longínquas para, aparentemente, procurar em nossa terra um refúgio capaz de satistazer-lhes as ambições ou, pelo menos, proporcionar-lhes os meios indispensáveis para sua manutenção e de sua família, tudo no ambiente de paz, tranquilidade e trabalho.

O Presidente Getúlio Vargas
Para nossa felicidade, porém, na Presidência da República se encontra um homem que vela, com dedicação extraordinária, sobre o destino do Brasil: o presidente Getúlio Vargas.

Mal surgiram no horizonte as primeiras nuvens denunciadoras, ei-lo de pé, preparado para a ação pronta, imediata, enérgica. Sem vacilações compreendendo a gravidade da hora presente, o presidente Vargas ditou suas ordens, que viriam, como vieram, colocar-nos a coberto de maiores males.

Em São Paulo
Em São Paulo, coube ao interventor Fernando Costa executar a tarefa delicada de executar as ordens do chefe da nação. Com a precisão que se fazia necessária, o interventor paulista pôs mãos à obra e, para sua execução fiel, não poupou esforços ou sacríficios de qualquer natureza. Ao seu lado, entre outros auxiliares, está o sr. Acácio Nogueira, secretário de Segurança Pública, o qual, por sua vez, conta com o auxílio precioso de um outro elemento de projeção, o major Olinto de França, superintendente da Segurança Política e Social. Do trabalho harmonioso e patriótico que veem realizando está a nossa população perfeitamente ao par e ja compreendeu que estamos preparados e aparelhados para enfrentar qualquer situação que, mesmo remotamente, constitua uma ameaça.

A maior diligência realizada na América do Sul
A prova do que afirmamos temo-la no êxito sem par que a nossa polícia acaba de obter, com a realização de uma diligência sensacional, que bem pode ser considerada a maior até hoje realizada na América do Sul, desde quando se esboçou a presente situação política mundial.

Trata-se, nada mais, nada menos, do que a desarticulação total de uma rede de espionagem, instalada no Rio de Janeiro, com ramificações importantes nesta capital e em Santos.

Seguindo instruções do major Olinto de França, o delegado de Ordem Política, sr. Ribeiro da Cruz, ao par do que se tramava, do que já se executava, decidiu-se ao trabalho de investigação. Homem arguto e perpicaz, conscia da responsabilidade que tinha sobre os hombros, a referida autoridade, si, por um lado providenciou amobilização quasi integral dos inspetores da Ordem Pública, por outro, nada mais fez, para o êxito imediato das diligências, do que escolher o auxiliar um seu auxiliar de confiança, muito integrante e capaz, o sr. Elpídio Realie, para a chefia pessoal das investigações.

Trabalho penoso
O trabalho da polícia, como é perfeitamente compreensível, em se tratando de um assunto de suma transcendência, foi assás penoso. Inúmeras foram as dificuldades a vencer e houve mesmo momentos em que certos obstáculos, inesperadamente surgidos, davam a impressão de que todo esfôrço seria nulo. Mas a perseverança do secretário da Segurança e do superintendente da Segurança Política, dava novo alento e os delegados Ribeiro da Cruz e Elpídio Reale, logo encontraram elementos para insistir na porfiada luta, luta terrível, sem tréguas, contra um inimigo extremamente poderoso e - o que agrava mais ainda a situação - durante algum tempo absolutamente oculto.

A pista - as primeiras investigações
Em dezembro do ano findo, o sr. Juvenal Salão, socio proprietário de uma casa de acessórios de rádio, levou ao conhecimento da Superintendência de Ordem Política e Social, o seguinte fato: - fõra procurado em seu estabelecimento por um indivíduo suspeito que expressando-se em inglês, lhe encomendara um ondometro (aparelho complementar de estações clandestinas). Esse indivíduo falava o inglês com sotaque de alemão, o que determinou profunda suspeitas ao sr. Salão. Ao terminar a encomenda, o sr. Salão solicitou-lhe o nome e o endereço. Disse, então, o personagens misterioso chamar-se O. Mendes e residir em Santos no Hotel Santos.

A autoridade policial determinou então severa vigilância em torno dessa firma, para, caso aparecesse o personagem, fosse acompanhado por investigadores e detido , depois de apuradas as suas suspeitas. No entanto, passaram-se os dias e o personagem não voltou a procurar o aparêlho que havia encomendado com a nota de urgente. Feita uma verificação pela polícia nos hotéis de Santos, também não foi verificada a presença de nenhuma pessoa com esse nome. Ficou, então, combinado, entre a autoridade que recebeu a denúncia, o sr. Elpídio Reale, e o sr. Salão, para, caso futuramente aparecesse alguém interessado no aparêlho, que fosse feita a entrega depois de identificada a pessoa. Assim sendo, em meados de fevereiro do corrente ano a firma Salão notificada a polícia de que a firma Sgarzi, desta capital, estabelecida à av. São João, havia solicitado a entrega do ondometro. Foi determinado então que se procedesse a entrega.

Aguardou a polícia ainda alguns dias afim de que se a encomenda chegasse ao seu destino, pois a firma Salão informava mais que Sgarzi, no mês de agosto havia recebido também um aparelho transmissor. Apurou-se também que a Sgarzi era muito ligado a firma Teodor Wille.

Diligências, prisões e apreensão da estação
No dia 5 do corrente, o delegado Elpídio Reale, deteve Domingos Sgarzi e, interrogado sôbre o destino do transmissor e do ondometro, confessou o seu recebimento e a entrega de ambos ao sr. Ulrich Uebele, filho do agente-geral da Teodor Wille no Brasil e consul alemão em Santos. Detido imediatamente Ulrich Uebele, êste apresentou o ondometro que se encontrava depositado em seu escritório e infomou à polícia que o transmissor fõra por êle transportado para Santos, onde entregára, no m~es de agosto, ao rádio-telegrafista da agência de navegação Teodor Wille, de nome Gerard Schroeder, o qual era o encarregado da estação montada no porto de Santos e destinada a fornecer informações detalhadas sôbre o movimento de vapores e sua cargam naquele pôrto. Seguindo naquela mesma noite para Santos, a autoridade policial deteve Gerard Schroeder, â rua Ipiranga, 13, em São Vicente, onde estivera montada a estaç~so, até o mês de dezembro, época em que foi desmontada e removida para a residência do empregado da Prefeitura de Santos, Euclides de Albuquerque. Aprendida a estação transmissora nessa residência, a polícia deteve mais os seguintes indivíduos, envolvidos na organização da espionagem: Henrich Bleinroth, segundo secretário do consulado alemão em Santos e encarregado de colher as informações sobre os navios surtos no pôrto; Erland Adolf Waisted, empregado da agência de navegãção Johansen, e os integralsitas Antônio Gonçalves da Cunha, Joaquim Pinto de Oliveira e José Faustino Cabral de Melo, os quais auxiliam Heinrich Bleinroth na colheita de informações do cais. Essas informações eram cifradas em código e transmitidas por telegrafia, pelo sistema Morse, para a sede da organização no Rio de Janeiro, donde eram retransmitidas por uma estação potentíssima ao Almirantado alemão que, por sua vez, da exatidão e da importância das informações determinava ordens às diferentes bases submarinas existentes no Atlântico.

Ausência do personagem principal entre as pessoas detidas em Santos
Transportada para São Paulo a estação transmissora e os presos, a autoridade chamou à Delegacia o sr. Juvenal Salão, afim de ver si o mesmo reconhecia entre os presos a figura do inglês com sotaque alemão, que em dezembro lhe havia encomendado o ondometro. Foi então que se verificou a ausência da figura principal. Interrogados os presos, êstes manifestaram um interêsse invulgar em esconder a figura principal. Como, porém, o ondometro tivesse sido encomendado por O. Mendes e a sua retirada sido providenciada por Ulrich Uebele, filho do consul alemão em Santos, êste deveria reconhecer e identificar essa pessoa. Como se negasse terminantemente a apontar o nome, limitando-se a informar que se tratava de um engenheiro alemão, vindo recentemente da Alemanha para organizar o serviço de espionagem nos pôrtos da América, resolveu a polícia proceder a uma busca no escritório de Ulrich, na sede da firma Theodor Will, em Santos, e ali na correspondência apreendida, o endereço do engenheiro alemão, dr. Nils Crinstian Cristiensen, residente à rua Campos Carvalho n. 318, no Leblon, na Capital Federal. Interrogado novamente Ulrich, êste, à vista da correspondência apreendida, acabou por confessar ser Cristiensen a pessoa misteriosa que a polícia procurava. Determinou, então, o Superintendente de Segurança Política e Social, major Olinto de França, que o delegado Reale, que vinha efetuando as diligências, embarcasse pelo primeiro avião para o Rio de Janeiro e ali, conjuntamente com o chefe de Polícia da Capital Federal, providenciasse a detenção de Nils Cristian Cristiensen.

Prisão do chefe da espionagem na Capital Federal
Na Capital Federal, no dia 10 de março, às 3 horas da manhã, em companhia de dois investigadores da Polícia Federal e so sr. Juvenal Salão, a autoridade detinha Nils Cristian Cristiensen, apreendendo na busca procedida um aparelho transmissor móvel, que alcançava a distância de 15 mil quilometros em suas transmissões, dois aparelhos receptores, um ampliador de fotografias, uma bússola, um microscópio, uma pistola "Mauser" carregada e um laboratório químico contendo drogas, uma máquina de filmar, uma máquina fotográfica e outras peças acessórias no valor aproximado de duzentos contos de réis.

Prosseguindo-se na busca, a autoridade apanhou a prova material da espionagem consistente em diversas informações sôbre navios americanos e ingleses que haviam passado no pôrto do Rio de Janeiro. as quais traziam a tonelagem do vapor, a natureza de armamentos, o número de tripulantes, o transporte de tropas, a natureza da carga, a velocidade desenvolvida e outras informações detalhadas, as quais, depois de cifradas em código, eram transmitidas por telegrafia ao Almirantado alemão. A autoridade apreendeu também o código bem como as instruções ministradas pela marinha alemã aos seus agentes de espionagem. Foram apreendidas ainda diversas micro-fotografias, do tamanho de uma unha, as quais, ampliadas no microscópio, traziam as instruções sobre a missão que deveria ser desempenhada pelo agente na América do Sul e na América do Norte.

A última informação transmitida por essa estação transmissora era a referente ao vapor "Queen Mary", que havia entrado no pôrto do Rio de Janeiro no dia 6 de março, tendo saído no dia 8, às 17 horas. Como se vê pela fotografia da informação, na véspera da prisão do sr. Cristiensen, êste havia transmitido ao Almirantado alemão, em Berlim, as informações mais pormenorizadas, sobre a rota seguida por aquele vapor e o transporte de tropas canadenses para a Austrália.

À vista da prova material colhida pela polícia, o agente de espionagem alemã, confessou na polícia em São Paulo, para onde foi removido, com todos os detalhes a sua missão na América do Norte, para onde deveria seguir, de acôrdo com as ordens recebidas.

Postado em 18 de janeiro, 2009

Paulo Renato Alves

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